Circuito compartilhado: visa discutir a possibilidade de criação efetiva de uma rede de trocas culturais entre artistas de diferentes cidades/regiões do estado, fortalecendo a produção de arte visuais contemporanea local.
A Funarte está com inscrições abertas, até 1º de outubro, para o Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça, XII Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais – 9ª Edição e Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais. A portaria foi publicada no Diário Oficial da União de hoje, 16 de agosto de 2012.
Prêmiode Artes Plásticas Marcantonio Vilaça– O edital visa incentivar produções artísticas destinadas ao acervo das instituições museológicas públicas e privadas sem fins lucrativos, fomentando a difusão e a criação das artes visuais no Brasil e sua consequente formação de público. Serão contemplados 15 projetos, com premiações de R$ 70 mil a R$ 350 mil.
XII Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia– O objetivo é estimular a valorização da linguagem fotográfica por meio de produção, pesquisa, criação, reflexão, documentação e circulação, contribuindo assim para a consolidação de um campo específico da fotografia no âmbito da economia da cultura. Serão contemplados 45 projetos, no valor de R$ 50 mil cada, distribuídos em três módulos: inéditos de criação, documentação e produção de reflexão crítica sobre fotografia, visando à difusão, ao fomento, à reflexão e à produção fotográfica.
Programa Rede Nacional Funarte Artes – 9ª Edição– O edital visa fomentar a reflexão e o debate sobre as artes visuais, desenvolver instrumentos de capacitação para artistas e técnicos do setor e promover a circulação dos profissionais da área por todo o país, além de estimular a formação de público. Serão selecionados 30 projetos que promovam o intercâmbio inter-regional por meio de um conjunto amplo de atividades e experimentações ligadas às artes visuais, tais como: oficinas artísticas, oficinas de qualificação, workshops, palestras, performances, instalações, novas mídias, seminários, intervenções, exposições, atividades pedagógicas e pesquisa de linguagem. O valor da premiação para cada contemplado é de R$ 100 mil.
Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais– O objetivo é fomentar a formação de artistas e demais profissionais das artes visuais e a produção de arte contemporânea brasileira, dando possibilidades às experimentações das linguagens, de técnicas e de poéticas, além de estimular a reflexão e o debate sobre as artes visuais. Serão selecionados dez projetos na categoria Bolsa Estímulo à Criação Artística e cinco na categoria Bolsa Estímulo à Produção Crítica. Cada contemplado receberá R$ 40 mil.
O edital visa selecionar 30 projetos que promovam o intercâmbio inter-regional por meio de atividades e experimentações ligadas às artes visuais, tais como: oficinas artísticas, oficinas de qualificação, workshops, palestras, performances, instalações, novas mídias, seminários, intervenções, exposições, atividades pedagógicas e pesquisa de linguagem. O valor da premiação para cada contemplado é de R$ 100 mil.
O programa visa fomentar a reflexão e o debate sobre as artes visuais, desenvolver instrumentos de capacitação para artistas e técnicos do setor e promover a circulação dos profissionais da área por todo o país, além de estimular a formação de público. As propostas encaminhadas deverão contemplar o intercâmbio inter- regional entre artistas e/ou demais agentes culturais.
Acesse o edital e demais documentos ao lado, em “arquivos relacionados”.
A Fundação Nacional de Artes – Funarte publicou, nesta sexta-feira, 17 de agosto, no Diário Oficial da União, a portaria que regulamenta o Edital da Bolsa Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2012. O Prêmio, realizado em parceria com a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, vai contemplar 50 projetos de residências artísticas em todo o território nacional. O aporte financeiro é de R$ 2.795.664 milhões, dos quais R$ 2,5 milhões serão concedidos em bolsas.
A Bolsa Interações Estéticas tem como objetivo apoiar projetos por meio do intercâmbio cultural e estético em rede, através de iniciativas de residências, que promovam a mobilidade, a experimentação artística e a reflexão crítica, fortalecendo e realimentando com ações inovadoras a rede de artistas e pontos de cultura e comunidades que, direta ou indiretamente, se relaciona com o projeto desenvolvido.
Pessoas físicas maiores de 18 anos, brasileiros natos ou naturalizados e estrangeiros residentes no país há mais de três anos, podem concorrer em duas categorias: Criação e Experimentação e Continuidade. Na modalidade Criação e Experimentação, o artista escolhe um Ponto de Cultura para realizar um projeto de residência artística que tenha como foco interações entre culturas e comunidades de diferentes partes do país. O principal vetor é o intercâmbio intercultural. Obrigatoriamente, o artista deve escolher um Ponto de Cultura fora da região geográfica onde reside.
A categoria Continuidade é exclusiva para aqueles que já ganharam pelo menos uma das edições anteriores do Edital Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura (2008, 2009 ou 2010) e permite que o artista possa dar continuidade ao projeto, apresentando uma perspectiva de inovação e sustentabilidade. Também será permitido ao artista escolher qualquer Ponto de Cultura para realizar a residência, dentro ou fora da região onde reside.
O material referente às inscrições deverá ser enviado pelo correio (SEDEX ou carta registrada) para o endereço abaixo, de acordo com o contido no edital:
Fundação Nacional de Artes – Funarte BOLSA INTERAÇÕES ESTÉTICAS – RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS EM PONTOS DE CULTURA 2012 Rua da Imprensa, 16 – 6º andar / Setor de Protocolo – Castelo Rio de Janeiro – RJ CEP 20030-120
A avaliação das propostas será realizada por uma comissão de seleção composta por 11 membros de reconhecida idoneidade, notório saber e capacidade de julgamento nos campos de abrangência da Bolsa, sendo um deles representante da Funarte e um representante da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural, nomeados em portaria pelo presidente da Funarte.
Entre os critérios que norteiam a seleção estão a criatividade e inovação (originalidade das ações e busca de novas práticas e relações no campo cultural); metodologia (organização, planejamento e método de execução); impacto social da proposta (aspecto quantitativo e qualitativo); contribuição cultural e estética (valor simbólico da experiência proporcionada pelo projeto para o artista e para a comunidade); sustentabilidade (capacidade da proposta de se articular com outras redes, criando práticas e oportunidades sustentáveis no campo da arte e da cultura).
Acesse ao lado o edital e demais anexos, em “arquivos relacionados”.
Você têm interesse em discutir temas atuais
sobre o mercado de arte, oportunidades de inserção dos artistas visuais
no mercado nacional e internacional, interação das artes visuais com
outras áreas e, dentro de todo esse contexto, aprender sobre a economia
da arte contemporânea?
A dica de #arte do centro cultural para o
dia 17/08 (sexta-feira) é a palestra de Negócios da Arte Contemporânea,
ministrada por Ana Letícia Fialho. Confiram!
O artista plástico Hélio
Rola (Fortaleza, 1936), dentre inúmeras outras atividades, é um dos
heróicos remanescentes da chamada arte postal, com a particularidade de
não havê-la cultivado da maneira anódina como era praticada nos anos 70,
e que logo desaguaria em um grafismo sem substância alguma.
Plasticamente, Hélio deu a essa arte postal a condição de um diálogo
constante com as demais técnicas (guache, xilogravura, nanquim,
escultura etc.) às quais segue recorrendo para expressar sua visão de
mundo. Com obra tão extensa quanto múltipla, esse artista tem exposições
em países como Alemanha, Espanha, França e Estados Unidos. A presente
entrevista permite uma aproximação de várias etapas de sua vida e
criação, aspectos que se confundem revelando uma afortunada inquietude.
(F. M.)
Tua formação, excetuando a
extensa parcela de autodidatismo que a caracteriza, inclui aulas na
Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), em Fortaleza (anos 40), e
no Art Students League, em Nova York (anos 60). Os dois cursos distam 20
anos entre si. Como exatamente se inicia o artista Hélio Rola e qual
importância teriam esses estudos na definição de uma estética?
Após refletir um pouco sobre a
questão do autoditadismo, concluí que o autodidatismo em estado puro
não existe. Aprender qualquer coisa é um ato social, penso. Senão
vejamos: nasci em Fortaleza em 1937 e me iniciei nas artes plásticas
criança ainda quando riscava, desenhava nas calçadas da vizinhança com
outras crianças. Também sofri de influência de D. Eneida, mãe de amigos
meus, que desenhava, com perfeição , artistas de cinema e caras bonitas encontradas em revistas e jornais. Aquilo me fascinava e logo estava eu às voltas com o hiper-realismo .
Fazia arte pública, grafites, e logo desenhos a lápis, seguidos de
desenhos a tinta nanquim, guache etc. Passei então a fazer guaches
combinando com tinta nanquim de cenas de meu cotidiano. Lembro-me que
uma dessas tentativas era na cena habitual de nossa orla, nos fins de
semana, debaixo de um grande pé de fixus-benjamin, no jogo de baralho
que os adultos da orla organizavam. Esses desenhos despertavam admiração
e cheguei mesmo a ganhar uns trocados fazendo retratos a lápis que
melhoraram quando fui levado a visitar e conhecer Jean-Pierre Chabloz.
Fiquei encantado com os desenhos de Chabloz. Meu pai era garçon de um
bar-restaurante no centro da cidade, o Majestic, que também tinha
cinema. Para lá iam todos - políticos, advogados, médicos etc., e também
artistas. Meu pai, Antonio Rola, era amigo do poeta Sidney Neto, do
cronista Caio Cid, do artista R. Kampos, dentre outros. Acho que de
tanto propalar que tinha um filho pródigo , que desenhava e
pintava, alguém lhe disse que me levasse para conversar com algum
artista. Só me lembro que foi o Antonio Bandeira - no Salão de Abril, na
antiga Assembléia, no centro da cidade - quem viu meus desenhos e me
aconselhou a freqüentar a SCAP, e assim se deu. Teve até nota em jornal
dizendo que o filho do garçon Antonio Rola era um artista etc. Depois da
SCAP, continuei estudando, conseguindo uma bolsa de estudos de um
deputado estadual por Russas (Ceará), Manuel Matoso, e fiz o ginasial e o
científico no Colégio São João, um colégio de elite. Daí passei no
vestibular em primeiro lugar e me formei em medicina, seis anos depois,
em 1961. Entre 62 e 64, fiz pós-graduação na USP (São Paulo), e defendi
tese em 66, obtendo o título de Dr. em Medicina. Voltei então para
Fortaleza e me tornei professor de bioquímica na Faculdade de Medicina
da UFC. Em 1967, fui para Nova York, fazer pós-doutorado, como
assistente de pesquisa, no Instituto de Saúde Pública de Nova York, onde
fiquei até 1970. Em meio aos afazeres científicos, um dia recebi visita
de um casal que queria me conhecer por ser brasileiro, pois pretendia
saber como localizar literatura sobre bandoleiros do Nordeste,
especialmente Lampião. Ele, Joe Tobin, se apresentou como pintor e ela,
Margareth, como escritora. Através de um tio que morava em Russas,
consegui uns três livros que me foram enviados pouco tempo depois. Eles
ficaram extremamente gratos, daí nascendo uma feliz amizade entre nós.
Eu estava em Nova York com a família, minha esposa Efi e os filhos,
André (4 anos) e Sílvia (1 ano). Por conta das conversas sobre arte, e
não somente sobre ciências, retomei a emoção de minha infância e voltei
às artes plásticas. O Joe Tobin me deu orientação durante um certo
tempo, em seu ateliê particular na rua 14. Um velho prédio famoso por
abrigar artistas ao longo do tempo. Posteriormente ele me aconselhou a
procurar a pintora Agnes Hert, que era instrutora de pintura na Art
Students League, e que também tinha ateliê no mesmo prédio. Tratei então
de me matricular ali. Estudava aos sábados, a tarde inteira. Passei a
freqüentar museus e galerias, muitas vezes acompanhado de minha
instrutora, uma excelente pessoa, com aproximadamente uns 50 anos. Ao
final de minha estadia em Nova York fiz uma exposição em nosso
apartamento. Tiramos todos os móveis do lugar e os trancamos em um
quarto. De repente, havia ali uma galeria funcionando. Algumas coisas
foram vendidas. Ainda em Nova York, fui influenciado por um amigo
brasileiro que me iniciou em fotografia, que foi extremamente oportuno e
importante para mim, em meu fazer artístico.
Essa condição de autodidata
torna-se um obstáculo quando se pretende um desdobramento da criação
artística, com o estabelecimento de cursos, por exemplo. Claro que me
refiro a um plano institucional. O gênio brasileiro é pouco afeito à
escola, já o sabemos. Inversamente, o douto acadêmico padece de bloqueio
de percepção. Como vês a relação entre essas duas instâncias em se
tratando do universo das artes plásticas no Ceará?
Fica claro que meu
audodidatismo se deveu ao fato de ter feito uma carreira científica e
ter vivido dela. Não há livre arbítrio. Eu tinha uma família para cuidar
e não enveredei pelas artes tendo em mente deixar de ser cientista.
Minha vida se ampliou. É claro que daí advém sofrimento e injustiças. Os
cientistas, quando querem me desvalorizar, me chamam de artistas. E os
artistas, por sua vez, me chamam de cientista. Fica claro que eu tenho o
desfrute de dois espaços de realização pessoal. Não somos seres
multidimensionais? Em resumo, fui aprendendo como podia. Veja só: em
Nova York fiz minhas primeiras tentativas na xilogravura. Foi pouca
coisa, mas deu para sentir, e sobretudo me deixar influenciar pela
xilogravura dos expressionistas alemães… nos livros e museus. Então o
que estava dormente, reservado, veio à tona, em 1994, tendo em conta
influência que sofri do Eduardo Eloy, bem como do clima da oficina de
gravura que ele animava no MAUC - Museu de Arte da Universidade Federal
do Ceaá. Aqui em Fortaleza vejo desenvolvimento de uma iniciação
autodidata (mas nunca isoladamente) em um espaço de convivência centrado
naquele fazer. A gravura é uma atividade artística especialmente
coletiva.
Em relação à sua pergunta,
salvo algumas exceções louváveis, a comunidade artística em atividade
aqui em Fortaleza é composta primordialmente por artistas autodidatas,
mas já começam a aparecer os artistas escolarizados, com diploma. Depois
disso, por conta da competição, teremos sem dúvida a guerra dos
diplomados contra os autodidatas e detentores de notório saber. Ainda
mais agora, com a proliferação de escolas e cursos de artes, a idéia de
profissional vai ganhar o mundo e as exclusões elitísticas/sindicais
virão, sem a menor dúvida. Esperemos.
Em 1987 participas da criação
do Grupo Aranha, cuja proposta era uma mescla de arte coletiva e mural.
Gostaria que me falasses um pouco da formação do grupo e de suas
interferências na paisagem urbana de Fortaleza. Que destino encontraram
os painéis de pintura mural coletivos pintados naquele momento? Onde
eles estão atualmente?
Eu e minha família começamos a
pintar muros na Praia de Iracema, bairro onde morávamos, para acabar
com o lixão que existia na esquina da rua Potiguares com Tremembés.
Muitos amigos participaram das pinturas que aconteciam nos finais de
semana, inclusive o Sérgio Pinheiro. Anos depois, em 1987, quando de
nosso retorno de Paris, Sérgio e eu, é que ele teve a idéia de organizar
um grupo de artistas para pintar muros, inicialmente apenas no mesmo
bairro. Daí surgiu o Grupo Aranha, que era formado por mim, Sérgio
Pinheiro, Eduardo Eloy, Kazume e Alano de Freitas, dentre outros. O
grupo não era fechado e nem sempre tinha a mesma composição nas
performances. O ateliê, depósito de tintas e material de pintura, era na
minha casa. É claro que conciliar essa diversidade de artistas não foi
tão simples. Primeiro começamos pintando cada um a sua coisa. Dividíamos
o muro em quatro partes iguais (democracia?) e cada um pintava a sua. O
resultado, apesar do lado a lado, era um painel de individualidades.
Depois evoluímos, passando a pintar todos o projeto de alguém. Pintamos o
muro de uma mercearia seguindo um projeto de Kazume. Lembro-me que o
Eduardo Eloy estava no Uruguai e não participou, mas teve seu retrato
incluído na pintura. Bom, a evolução veio por conta dele mesmo, Eloy,
que defendia uma pintura solta/ação, que envolvesse a todos. Como nesses
termos eu já me entendia com ele - havíamos pintado a quatro mãos em
outra oportunidade -, fiquei entusiasmado. O tipo de pintura daí
surgida, revelava uma diluição de autoria e fazia com que afluísse um
autor coletivo. Havia resistência por parte dos demais, que temiam -
segundo penso - que aquela maneira de pintar viria a afetar sua própria
arte. Os murais na Praia de Iracema deram o que falar. Como fazíamos
carga contra a poluição sonora e a ocupação indevida dos espaços urbanos
- tendo isto coincidido com o movimento SOS Iracema -, passamos a ser
notícia nos jornais locais, enquanto sofríamos as retaliações do
mercantilismo corrosivo (travestido de turismo) que ali se implantava.
Uma dessas pinturas, em um dos muros do bairro, em frente ao atual bar
Bicho Papão, foi desfigurada, na calada da noite, pelo proprietário de
outro bar, que se achou injustiçado e agredido pelo mural. Como você vê,
a pintura, as artes plásticas, pela primeira vez aqui entre nós se
tornava uma prática artística explicitamente revolucionária (?), que
denunciava com arte agressões sofridas pelo bairro.
Em 1996 te encontras ligado
uma vez mais a uma atividade coletiva, o grupo Tauape, cuja exposição
Tauape Xilogravuras percorreu cidades como Fortaleza, Rio de Janeiro,
São Paulo, Buenos Aires e Berlim. Todas as críticas acerca dessa
exposição referem-se ao essencial resgate empreendido por vocês no
tocante à tradição da xilogravura. O próprio perfil estético dos seis
artistas, a distinção existente entre eles, já assinala uma condição
nova e consistente na utilização de uma técnica. Que mudanças observas
no tratamento da xilogravura desde aquele momento até os dias de hoje?
Acho que no momento isto não é
mais do que uma observação feita por poucos. O que se constata é uma
verdadeira inflação (no bom sentido) de artistas, iniciantes ou não, que
se dedicam à xilogravura em Fortaleza. As diversas manifestações
mostram que a prática da xilogravura foi resgatada e perdeu as amarras
com a idéia de uma arte-cabra-da-peste, e com a subordinação santeira
habitual e ganhou o mundo, do museu Portland (EUA) até os confins da
Cracóvia…
Em 1999 participas de uma
exposição sobre arte construtiva. O conjunto de tua obra (pintura,
muralismo, gravura, escultura, arte postal), no entanto, não possui um
único componente que a aproxime do construtivismo. De alguma maneira,
isto me recorda a definição de estilo dada por René Crevel: "segredo de
costureira, arte de arranjar os restos". Seria movido por uma
concordância com Crevel que aceitas participar de uma exposição em torno
do construtivismo?
Meu envolvimento com a arte
construtiva veio por influência direta do Zenon Barreto. Depois que
voltei de Nova York, em 1970, quase que diariamente visitava o Zenon e
daí, de conversa em conversa, sobretudo vendo o que ele fazia, tudo isso
aliado às influência s de Paul Klee e Volpi, saí de uma pintura de
conotação expressionista para um jogo de cores, geométrico, de repetição
de um módulo criando um equilíbrio entre cheios e vazios. O módulo de
repetição era uma casinha de porta e janela. Em 1975, retornei a Nova
York onde passei dois meses de férias e pude apreciar e curtir de fato
trabalhos dos americanos Mark Rothko, Frank Stella, Barnet Newman e
outros. Ampliei minha sensibilidade, minimalismo e expressionismo
abstrato ou figuratico etc. Em relação à minha participação recente em
uma mostra do MAUC/CE, ao lado de artistas construtivistas da Europa, em
face do que expus acima não tem nada de estapafúrdio, pois me foi
possível produzir uma série de trabalhos que geraram alguns interesses.
Posso voltar ao tema e àquele fazer a qualquer momento. Já em relação ao
que disse Crevel, é costura mesmo, pois quem se rende à uniformidade,
ao fio condutor , por conveniência de mercado, sempre perde alguma coisa.
No catálogo da exposição
Tauape Xilogravuras na Alemanha, em texto assinado por Heinrick Stahr,
se faz referência a uma relação entre caos urbano e imagens
caleidoscópicas no tocante às tuas xilogravuras ali apresentadas.
Idêntica leitura se poderia fazer de série de guaches apresentadas em
individual em Fortaleza (2001). Até que ponto o que é denúncia se
confunde com saudosismo em tua leitura das sociedades contemporâneas?
Você bem sabe que a maneira
de fazer faz a arte, faz a vida. Os guaches e as xilogravuras daquela
época se encontram na sobrecarga de imagens. Só que o humor das xilos é
agressivo e inquietante, enquanto que o dos guaches, por conta das
cores, é feliz e brincalhão. Perdão, porque sei que tudo é dito por
alguém ao outro alguém que pode ser ele mesmo. No caso, eu mesmo. Depois
de sua pergunta refleti e arrisco a dizer que saudosismo e denúncia são
a mesma coisa.
De volta ao lamaçal dos
conceitos: por mais que se fale em expressionismo figurativo para situar
tua amplitude estética, penso que realizas uma arte afeita à
intranqüilidade, mágica ou fantástica, no sentido de uma inquietude
permanente. Gérard Legrand observou a fusão entre consciente e
inconsciente levada a termo por Max Ernst. Talvez pudesses falar um
pouco de tuas identificações com outros artistas. Bem sei que trabalhas
movido por uma volúpia, que te deixas perseguir incansavelmente por uma
idéia, uma suspeita, um estalo. De onde vem isso, que afinidades
encontras com teus pares e o que pretendes?
Aprecio muitos e muitos
artistas. Sofrer influências não tem um fundamento racional. Tudo não
passa de um encaixe emocional. Eu, como você sabe, e por conta de não
viver da arte - apesar de viver fazendo-a -, é que me dou a liberdade de
tentar coisas em várias direções. Em Paris, no Centro Cultural de
Val-Fleury, em 1981, fiz uma exposição múltipla de pinturas, desenhos,
objetos, fotomontagens etc., intitulada Artesanato do cotidiano .
Entretanto, desde o reinício em Nova York e depois do natural
entusiasmo por Van Gogh, Matisse, Picasso etc., o que me chamou atenção
mesmo foram os expressionistas alemães. Mas nunca me contive diante de
uma pintura do inglês Francis Bacon. Para uns pode parecer
incompreensível o fato de me tocar muito a pintura dos estadunidenses
Frank Stella, Kenneth Noland, Barnet Newman etc. É claro que morando em
Nova York tive a chance de ver bastante coisa. O problema, na definição
do artista, são as interdições advindas do mercado e da crítica. Não
fica bem para um artista fazer uma coisa hoje e outra amanhã, segundo
dizem. Por que não? Meus parabéns para os artistas especialistas, que
vão a fundo em suas buscas.
Bem, em relação a meus pares e
afinidades. Antes da influência do Zenon Barreto, tive as influências
de Nova York. Picasso, Matisse, Paul Klee etc. O Zenon me fez
experimentar na arte construtiva. Também fiz uma boa parceria com o
Sérgio Pinheiro em Paris, entre 1979 e 1980. Enquanto ele desenvolvia
uma linha abstrata, a la Mondrian, eu me dediquei a tirar
figuras da caixa, algo na linha de Pandora, tirar da caixa o que ela
pudesse oferecer. Para mim, o resultado foi interessante e as esculturas
de hoje são fruto de um trabalho - a lógica da caixa que começou em
Paris nos anos 80. Já os guaches vêm das influências que recebi do
Eduardo Eloy e da pintura do Grupo Aranha em sua fase de pintura ação.
Tanto admiro, como já disse, uma pintura como a do Barnet Newman como a
de um Oskar Kokoshka. Se gosto, me identifico emocionalmente com tal e
tal maneira de fazer arte, por que não fazê-la? Em resumo, e claro, uma
caricatura, acho que o artista para curtir sua arte deveria era arranjar
um emprego, para poder fazer sua arte como quisesse e não esconder suas
pesquisas díspares dos amigos e colecionadores.
Humberto Maturana nos fala de
"uma cultura alienada no mercantilismo", síntese que abrange
competitividade, inveja, falsidade ideológica, desprezo pelos valores
comuns. A normatização do lucro - e seus derivativos de massa (casa
lotada, prêmios, capas de revista etc.) - ilude facilmente uma
consciência artística em estado embrionário, como no caso brasileiro. O
mercado de arte passa a ser visto como contraventor e o artista como
vítima. Recordo o sentido de religare dado à criação artística em si. Até que ponto a arte nos separa, tendo se tornado desagregadora?
A arte nos une na procura e
no encontro do novo em todas as dimensões de nosso viver. Mas o pano de
fundo, cultura (patriarcal) da competição, nos desagrega e nos rouba o
sentido do humano que é a solidariedade. Não há solidariedade no
mercado. A arte, ou o que quer que assim seja chamado, não é uma
entidade com existência fora do nosso fazer humano. A arte surge
quebrando consensos, mas acaba por se tornar consenso (é quando ela
morre para renascer quebrando o próprio consenso antes estabelecido).
Você vai dizer que na ciência e em qualquer outro afazer humana é a
mesma coisa. É mesmo!
Tua opção por uma arte postal
possui uma distinção essencial em relação a uma maioria absoluta de
recorrência ao meio: o intrínseco valor artístico. O discurso inócuo e
sobretudo a pirotecnia formal desgastaram um promissor veículo de
idéias. Hoje resulta fastidioso deter-se em veleidades como poema
visual, arte postal e corruptelas similares. Observo tudo isto pensando
na equívoca idade das formas. Perdemos o sentido do diálogo? Há uma lei
de mercado que estabelece relação promíscua entre forma e conteúdo? Por
que tanta sub-arte bate à nossa porta?
É uma pena que a força da arte postal tenha arrefecido ao longo do tempo. Não é mais fashion .
Mas, para mim, atende às minhas emoções. Faço um desenho, escrevo
algumas coisas, ou cometo uma poesia, e envio para várias pessoas. Assim
amplio meu raio de ação. Não tenho eMail, mas o cartão postal vai
longe. Por exemplo: faz tempo que eu envio o Rol@net,
que é como chamo minha arte postal, para muita gente, inclusive
críticos de arte como Jacob Klintowitz, Paulo Herkenhoff, Olívio
Tavares, Lisbeth Rebolo... Concordo, perdemos o sentido do diálogo e o
artista atual, meus pares, não parecem muito preocupados com esta
questão. Acho que o que você chama de relações promíscuas entre forma e
conteúdo é o resultado de se ver e ter a arte tão-somente como uma
mercadoria. A arte é mais do que isso. E vê-la tão-somente assim sem
dúvida a empobrece. Temos vários casos aqui mesmo em Fortaleza, ou seja,
não de uma arte bruta, mas de uma arte embrutecida, a arte entre aspas.
É a arte boa-noite-cinderela, ou seja, a arte, como é feita hoje, claro
que embrutece.
Qual a cidade ideal para o
Hélio Rola? Todas as obsessões de tua obra estão vinculadas a um
compartilhar situações, ou seja, ninguém mora sozinho em tua visão de
mundo. Com tanta maquiagem borrada, haverá uma possibilidade do artista
recuperar sua condição de indicativo de algo?
Minha cidade? Uma cidade para
mim? Aquela na qual artistas fossem todos e não se tivesse o abuso
social nem a degradação ecológica. Basta de campanhas humanitárias,
vamos viver a igualdade e a legitimidade do outro ser. O único
indicativo de algo, segundo penso.