sábado, 23 de abril de 2011

Reportagem da revista Continuo Sobre leonilson


TEXTO marco aurélio fiochi

De meu corpo o Amor se apoderou ali com sua força incrível.
Constantin Cavafy, "Ao pé da casa" [trecho], 1918

"Quanto tempo faz mesmo?", pergunta a dona de restaurante Rosa Raw sentada à mesa em seu estabelecimento em São Paulo. "Quase 18 anos", respondo. A interjeição que se segue é um misto de espanto pela rápida passagem do tempo e de pesar pela ausência remota de um amigo. A mesma lacuna temporal que transforma a dor em algo abrandado e coloca em seu lugar uma saudade morna percorre a fala de outros amigos e parentes de José Leonilson Bezerra Dias (1957-1993). Zé, Leó, Léo - formas carinhosas adotadas por quem conviveu com ele -, não se considerava um artista, mas, sim, um "andarilho", um "curioso". No entanto, tornou-se o maior expoente de sua geração ao pintar e bordar as várias faces do amor.

"Muito inteligente", "falador", "crítico", "com uma grande verve para fazer comentários apimentados sobre tudo", "estudioso", "introspectivo", "de uma memória sem igual, capaz de dizer os nomes de todos os presidentes do Brasil na ordem exata", "temperamental", "sarcástico", "ranzinza", "apaixonante", "assertivo", "extraordinário", "muito querido", "bom caráter", "espontâneo", "verdadeiro", "corajoso", "batalhador". A voz daqueles que o conheceram tanto na vida quanto na arte é superlativa ao qualificá-lo. E ao ler depoimentos dele próprio a sensação de integridade aumenta: "É claro que eu penso na minha carreira, em ganhar dinheiro, fazer exposição. Mas penso em mim, nos insights que surgem para fazer um trabalho. Acredito em outra coisa. O mundo real que a gente vive, acho superlegal. Mas isso não tem valor", declarou à crítica de arte Lisette Lagnado, em entrevista em 1992, publicada em Leonilson: São Tantas as Verdades (DBA/Melhoramentos, 1998).

Entre o skate e a enciclopédia

Vindo de Porto Velho para São Paulo com apenas 4 anos, Leonilson morou praticamente toda a vida na Vila Mariana. A família, que já deixara a capital de Rondônia anos antes para viver em Fortaleza, onde o artista nasceu, em 1957, fixou de vez moradia em São Paulo em 1961 e optou pelo bairro por ser, naqueles tempos, um reduto de migrantes como eles, segundo conta a irmã, a psicóloga Ana Lenice da Silva, a Nicinha. Leonilson foi temporão. Entre ele e Nicinha são cinco anos de diferença. "Quando nasceu, foi uma ciumeira danada", relembra. "Nas famílias nortistas, o caçula é o rei. Eu estava acostumada a ser a caçula e de repente perdi o trono." Irmãs mais velhas, Nicinha e Tilda (Ana Lenilda Dias Salvatore) eram como mães para o menino.

No início da adolescência, passava o tempo tentando aprender a andar de skate, novidade da época, com os vizinhos Luís, Gustavo e Ana Cândida Machado. O estudo no Colégio Arquidiocesano e a leitura atenta dos volumes da Enciclopédia Barsa também faziam parte da sua rotina. Brincar com a máquina de escrever e a de fotografar, aparelho do qual colecionou vários modelos, era um passatempo. "Ele não fazia esportes nem jogava futebol, pois tinha crises fortíssimas de asma, que o acompanharam durante toda a vida", conta Nicinha.

Leonilson acompanhava o pai, seu Theodorino, proprietário da rede de lojas de artigos variados Casa Saudade, em Porto Velho, em compras nas fábricas de tecidos da capital paulista e sempre acabava ganhando retalhos. Panos e linhas eram presença constante na casa paterna. A mãe, dona Carmen, ensinou a costura e o bordado às filhas. "Em nossa casa, havia um quartinho de costura, e ficávamos todos lá brincando, vendo mamãe costurar", diz Nicinha, que foi quem lhe ensinou os segredos do bordado, corrigindo falhas, mostrando como deixar o lado avesso tão perfeito quanto o visível. Uma das lembranças do período, revelada pelo próprio artista em entrevista a Lagnado, mostra a tranquilidade daqueles tempos: "Perto da minha casa, tinha um hospício de loucos. A gente ia brincar no jardim do hospício. Eles eram tão legais, tão diferentes da vida da gente, eram os ídolos da rua".

Entrando na vida adulta, ganhou de seu pai um Fiat 147 branco, novinho em folha, que mais tarde venderia para juntar dinheiro e fazer a primeira viagem à Europa. Dessa fase, em que ficou mais próximo da vizinha Ana Cândida, a melhor lembrança é uma ida frustrada de carro até Fortaleza, interrompida no meio quando uma manobra fez o veículo cair num buraco, quebrando-o. O automóvel teve de voltar para São Paulo rebocado. "Leonilson era muito barbeiro!", confidencia o irmão de Ana, Luís Machado.

Desde cedo, Leonilson mostrou-se um arguto colecionador. Seu alvo eram os brinquedos, que comprava aos montes em feiras de artesanato e em viagens ou eram presenteados por amigos. Parte deles viria tempos depois a integrar sua obra. Outra fixação eram os desenhos de plantas arquitetônicas, feitos em papel milimetrado. O aprendizado da arte iniciou-se aos 11 anos, na Escola Panamericana. Os trabalhos iniciais do artista foram feitos nessa faixa etária, sendo o primeiro bordado, Mirro, criado aos 14 anos.

O contato com o meio teve continuidade com a entrada nas artes plásticas da Faap, em 1977, que abandonou em 1980. Antes disso, fez um curso técnico de turismo. Durante toda a vida, colecionou centenas de envelopes de cartas, blocos e cartões com os logotipos dos hotéis onde se hospedou; tíquetes e folhetos de companhias aéreas também fazem parte dessa coleção, que demonstra o seu amor por viajar. E é com a primeira grande viagem, para Madri, em 1981, que Leonilson se profissionaliza, realizando uma exposição individual.

No centro de uma nova geração

A entrada no cenário artístico brasileiro ocorreu num momento em que as galerias procuravam novos talentos para renovar suas coleções. "Antonio Dias nos apresentou em outubro de 1982. Ele tinha 25 anos. Trouxe uma pasta de desenhos e ao vê-la tive a certeza de que a proposta da galeria de renovar o mercado e lançar nomes começaria por ele", conta o galerista Thomas Cohn. Luisa Strina, que o representou até 1990, comprou todos os trabalhos do artista tão logo o conheceu. Com Cohn, ela foi a responsável pelo lançamento conjunto de Leonilson no cenário nacional, em 1983.

Era o início da Geração 80, movimento artístico que tinha como principal característica uma retomada da pintura, ou do prazer de pintar. Junto de Leonilson, surgem Leda Catunda, Sergio Romagnolo, Ciro Cozzolino, Luiz Zerbini e Daniel Senise, entre tantos outros. Segundo Lagnado, as influências imediatas do jovem artista são o pintor Antonio Dias, com suas telas de cobre e grafite, e o americano Keith Haring, com seus grafites. "As figuras [...] nas primeiras pinturas [...] surgem com a marca da ilustração [...] desfilam, pouco elaborados, ringues, ferros de passar, aviões, dinossauros, gatos e patos. [...] elege alguns elementos que serão retomados e desenvolvidos até o final da vida: o livro aberto, a torre, o radar, o transformador de energia, o raio, o átomo, a escada, o coração, a montanha e o vulcão, a espiral, o relógio, a bússola e, principalmente, a ampulheta que se funde ao símbolo do infinito", escreve a crítica.

Zerbini e Leonilson dividiram ateliê em 1977, além de morarem juntos em Maresias, no litoral paulista por um tempo. Os dois criaram o cenário de A Farra da Terra, peça do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, em 1982. O espetáculo, que estreou no ano seguinte, contava com atores convidados, que vez ou outra faltavam às sessões. Eles eram então convocados a subir no palco e atuar. "Mas Leonilson era um péssimo ator", diverte-se Zerbini.

Outro amigo e parceiro de trabalho foi o artista alemão Albert Hien. Os dois se conheceram na Bienal de São Paulo em 1985 e realizaram duas exposições conjuntas: em 1986, em Munique, e em 1988, em Amsterdã. "Nosso relacionamento foi como o de irmãos que se encontraram depois de um tempo separados. Havia muita coisa em comum. É claro que a maneira poética de representar o mundo real e os símbolos em nosso trabalho foi um vínculo entre nós também", observa Hien, com quem Leonilson trocou extensa correspondência por vários anos.

A marchand Regina Boni, galerista de Leonilson por três anos, "depois de tê-lo assediado por 18", também manteve uma forte amizade com o artista. Além da arte, a afinidade dos dois passava pela gastronomia. "Ele sempre ia jantar na minha casa. Eu fazia seus pratos prediletos: torta de frango e, de sobremesa, tiramissu ou bolo de laranja. Ele foi uma das grandes paixões da minha vida, um filho para mim." Regina foi uma das pessoas mais próximas de Leonilson depois da descoberta da infecção pelo vírus HIV, em 1991.

A doença mudou radicalmente a vida e a obra do artista. "Ele se tornou mais introspectivo e autocrítico", relembra Thomas Cohn. Lagnado escreveu: "o assombro da doença sobre a obra é antigo. [...] Mas o ano do compromisso do artista com a tomada de consciência da passagem por este mundo seria 1991 [...] quando [...] formalmente encontra uma maneira de expressar o inquietante 'eu' que o habita. Seria o ano do teste".

Enfim, o amor

A produção de Leonilson sempre fez alusões à sexualidade, ao homoerotismo e aos encontros e impossibilidades do amor. Leitor do poeta grego Constantin Cavafy, entre outros autores que exploram as possibilidades eróticas dos relacionamentos humanos, o artista criou uma narrativa poética por meio de versos e frases soltas que integraram toda a sua obra.

A temática já aparecia nos anos 1980, com pinturas de contexto fetichista e erótico, segundo analisa Lagnado em Leonilson: São Tantas as Verdades. O amor era por vezes associado à espiritualidade, como na obra Voilà Mon Coeur, de 1990, em que reproduz no verso uma fala de Jesus Cristo a São João Batista ("Aqui está meu coração, faça dele o que você quiser"), além da frase que dá nome a esta reportagem.

Outras obras falam do desejo, como a pintura Jogos Perigosos, de 1989, que traz as inscrições "Esses jogos perigosos/Não são guerra/Nem estão no mar ou no espaço/Mas por detrás de um óculos e um par de jeans". A figura da ponte inútil, que não consegue ligar dois pontos, é recorrente.

A relação amorosa servil também aparece como tema, por exemplo, no bordado sobre voil O que Você Desejar, o que Você Quiser, Eu Estou Aqui, Pronto para Servi-lo, de 1990. Em entrevista a Lagnado, o artista afirma que todas as suas obras são objetos de desejo. "Uma das características do meu trabalho é a ambiguidade. Os bordados revelam a minha ambiguidade na minha relação como homem", observou.

Com a doença, sua produção passa a ter um tom autorreferente, melancólico e confessional, como se fizesse um ato de contrição por meio da obra de arte. O símbolo do infinito surge também com o desenho de peixinhos, como em J.L.B.D., bordado de 1993. Exemplo maior é a série de sete desenhos O Perigoso, de 1992, em que ironiza sua condição. O amor passa de uma pulsão carnal a um sentimento universal, e a espiritualidade se aprofunda. "O trabalho me ajuda. Nele, coloco minha força. Ele não me deixa esmaecer. Fico fazendo esses trabalhos como orações. É como uma religião que fornece os símbolos. Meu trabalho é mais guiado por esse sentido do que pelo valor estético", declarou à crítica de arte.
Fonte
http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2720&cd_materia=1552

faça dowonload da versão impressa (pdf)
http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2689&mes_revista=4&ano=2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011


No intuito de consolidar a produção de quadrinhos no estado do Ceará e fortalecer a relação entre os profissionais da nona arte no estado, acontece nos dias 9 e 10 de abril de 2011 o III MAISHQ – Encontro de Quadrinhos de Sobral, dentro da programação do FAMS 4 – Festival de Animê e Mangá Sobralense. O evento conta com uma programação de oficinas abordando todas as partes do processo de produção de uma história em quadrinhos, além de exposições e venda de publicações locais.
Entre os convidados especiais estão JJ Marreiro (MSP+50 e Manicomics), Geraldo Borges (Justice League: Rise of the Arsenal), Fernando Lima (Fantasma Escarlate) e Wagner Nogueira (N´ROLL).
O III MAISHQ é uma realização do Grupo Gattai em parceria com o FAMS 4, que acontece no Centro de Convenções de Sobral, no Ceará.

Programação:
SÁBADO (09/04)
10h – Desenho: anatomia básica – Wescleyb/Camila Nágila (Sobral/CE)
14h – Roteiro: como escrever histórias curtas – Fernando Lima (Fortaleza/CE)
15h30 – Narrativa em quadrinhos – Wagner Nogueira (Mossoró/RN)
17h – Encerramento

DOMINGO (10/04)
10h – Anatomia mangá x anatomia comics – JJ Marreiro/Geraldo Borges (Fortaleza/CE)
13h – Diagramação e Balonização – Anderson Freitas (Sobral/CE)
14h – Lançamentos – Gattai Zine #8 (Zé Wellington, Wescleyb e Demétrio Braga) e Herói Z – Coleção Âmbar #1 (JJ Marreiro e Fernando Lima)
14h30 – Debate Final com vários artistas – Produção independente: um primeiro passo importante para o futuro profissional?
17h – Encerramento

O FAMS 4 tem início a partir das 9h da manhã e conta também com atrações nas áreas de RPG, Magic e Cosplay, além de exibição de animês.

Mais informações:
www.maishqsobral.blogspot.com
www.portalfams.com.br