Na arte contemporânea não existe limites estabelecidos
para a invenção da obra, embora nem tudo em nome da liberdade, sem critérios e
sem o risco de referências, a transgressão sem saber de que, divulgado como
arte, é arte. Com o deslocamento dos suportes tradicionais, a exemplo da
pintura e da escultura para outras opções estéticas ou experiências artísticas
em processo, com o uso de novas tecnologias disponíveis ou não, mas
principalmente com um novo conceito do que vem a ser uma obra de arte, hoje em
dia, coloca em xeque o museu tradicional. Determinadas linguagens de natureza
diversificadas da atualidade solicitam a reformulação de demandas e estratégias
museias, um outro modelo museológico e museográfico.
Originário do ato de
colecionar e preservar, os museus chegaram ao século XXI como instituições
indispensáveis à vida e à memória das comunidades, pelo menos em teoria.
Inseridos na vida das cidades e amparados por políticas públicas de cultura,
muito bem argumentadas no papel, mas sem atrativos para atrair o grande público
que prefere o espetáculo dos shoppings ou o paraíso dos templos evangélicos,
que oferecem muito mais em troca de um pequeno dízimo: a memória do futuro, a
esperança de vida eterna.
O fato é que o homem está sempre preocupado em preservar
sua história e sua memória, colecionando artefatos. Ele tem acesso ao seu
passado através de relatos ou depoimentos de testemunhas oculares, textos,
enfim documentos. Quando se defronta com a coleção de imagens e objetos,
particularidades da vida social, signos que habitam um museu, caverna moderna
onde o homem urbano fixa nas paredes os enigmas de sua passagem no tempo ou no
mundo. Com isso, não quero dizer que o museu é um caminho em direção ao
passado, ele é um lugar de possíveis diálogos entre passado, presente e futuro.
Olhar o passado é“estabelecer uma continuidade entre o que aparentemente deixou
de ser e o que ainda vai ser”, (Frederico Morais).
O museu é o recipiente de conservar uma coleção e
preservar uma herança estética e cultural de um tempo que passou e do presente
para significar o possível futuro. Ele ocupa um lugar de destaque entre os
diferentes elementos que compõem o sistema da arte. Assim como o hospício e a
clínica, é provável ver nele um espaço de confinamento, um espaço sagrado,
intocável e asséptico de exposição de objetos, que exige do espectador um
ritual de contemplação, quase em silêncio, das chamadas obras de arte.
A partir das décadas de 1980 e 90, foram criados
centros culturais e museus, em quase todo o mundo, sem se saber ao certo o que
colocar neles. Surgiu também uma nova profissão na arte na opinião do critico
carioca Wilson Coutinho: “a sua excelência, o curador... Os museus tornaram-se
espetáculos que pouco importa o que se mete dentro deles...” . Como se não
bastasse tudo isso, com algumas exceções, Tem-se a impressão de que o coquetel,
a presença de celebridades e os acidentes do percurso registradas nas colunas
sociais são mais importante que a exposição. Diz ainda Coutinho: “Depois que
happenings e performances deixaram de ser engraçados, a instalação ocupou, até
na maioria dos casos, a nova forma populista de exibição: mexe-se nela,
anda-se, escuta-se barulhinhos, morde-se alguma coisa, sente-se o vento, somos
obrigados a andar descalços, etc. o que tornou os museus e centros culturais
verdadeiros playgrounds para alegrar o adulto idiotizado e a criançacriativa”.
Estamos falando de um museu específico, o de arte. Se ele é o espelho de uma
produção cultural, em tal contexto, reflete o narcisismo do espetáculo, em
detrimento do ponto de vista da reflexão.
Sem
recursos financeiros e depois que a responsabilidade cultural foi transferida
para a iniciativa privada que tem como principal critério de seus patrocínios o
impacto na mídia, muitos museus vêm se transformando em instituições de
entretenimento para atrair grandes públicos consumidores de subprodutos
culturais, quem sabe também futuros consumidores das marcas que patrocinam os
seus eventos.
Um museu não é uma
instituição de eventos culturais, o que nele é exposto não deve ser uma
experiência isolada de uma política pública de cultura, sem a responsabilidade
de um conselho curador, formado por especialistas da área. O gestor deve ser
uma espécie de maestro que rege uma orquestra de intelectuais, críticos e
técnicos especializados, para desenvolver enunciados para ser praticados e
estabelecer relações mais estreitas com a comunidade.
Não é um lugar neutro, tem história e implicações
ideológicas. Na primeira metade do século XX, o museu de arte era o depósito de
repouso do moderno, questionado no início desse século pelo precursor das
poéticas contemporâneas, Marcel Duchamp e seu novo paradigma, bem humorado,
para a arte: não mais uma coisa criada pelo artista, mas a coisa que o sujeito
reconhecido como artista escolhe e decide para ser a obra de arte.
Os museus passaram por reformas significativas
nos últimos anos, ganharam prestígios e são considerados instituições culturais
referência da cidade contemporânea. Surgiu até a indústria de museus, que atua
mais a serviço do entretenimento e do turismo do que da memória, da história e
do exercício da cidadania, mas capaz de movimentar a economia.Essa difícil
conciliaçãocultura e economia que ocupa cada vez mais centro das atenções.
Desde quando a política
e a economia reservaram à cultura um espaço quase que insignificante, dentro
das prioridades da vida urbana, interesses alheios comprometeram o
funcionamento das instituições culturais. A cidade precisa de tecnologias,
partidos políticos, técnicos, políticos, empresários, especialistas em áreas
diversas, etc., mas acima de tudo, precisa de uma tradição cultural e do
exercício da cidadania, para que ela própria signifique. Um museu guarda mais
do que obras e objetos de valor e de prestígio social, uma situação, um
fragmento da história, portanto um problema cultural. Tudo que nele é exibido
deve ter um compromisso com o conhecimento, a memória e a reflexão. Sua
programação não deveria ser decidida por patrocinadores que tem como objetivo
final vender produtos muitas vezes até desnecessários, e circular uma imagem de
que está contribuindo para o “desenvolvimento cultural”.
Os museus se modernizaram
conceitualmente, ressaltando sua importância para a sociedade e o direito à
memória. O de arte como lugar
passivo foi desarticulado com o Minimalismo na década de 1960 e logo em seguida
a Arte Conceitual entrou em cena questionando de forma crítica e decisiva as
instituições culturais, em especial o museu, o templo da sacralização da arte.
O embate foi travado entre o museu e as novas propostas artísticas, efêmeras, privilegiando
a ideia contra a materialidade que se armazena na instituição e alimenta o
mercado de arte com mercadorias. A arte, desde então, passou a ser uma usina
geradora de críticas, provocações e incômodos. Os mal-entendidos entre a arte e
a instituição museal foram inevitáveis e imprevisíveis.
Falar de museu de arte no
Brasil é difícil não lembrar Mário Pedrosa. Vejam a atualidade de seu
pensamento, no texto “Arte Experimental e Museus”, publicado em 1960:
“Diferente do antigo museu, do museu tradicional que guarda, em suas salas as
obras primas do passado, o de hoje é, sobretudo, uma casa de experiências. É um
paralaboratório. É dentro dele que se pode compreender o que se chama de arte
experimental, de invenção.” Esse lugar de experiências é também ocupado por um
acervo, é um lugar privilegiado do pensamento, da crítica e do lazer criativo
para uma apropriação consciente do patrimônio.
O caráter problematizador da produção contemporânea
praticamente rejeitou o estatuto da obra de arte como produto, isto contrariou
interesses do mercado e o desejo de classificar e acomodar da instituição
museológica. Para a arte contemporânea, o museu com sua arquitetura
característica, com função de alojar uma diversidade de procedimentos, é um
laboratório de ensaio do que pode ser uma obra de arte, um campo de
experimentação. O museu é indispensável, é o ponto de partida e a estação de
chegada. É ele que legitima o que se designa experiência artística. E o papel
do museu, mais do que armazenar obras, é ser um espaço de pensamento crítico e
educativo, frequentado por um público ativo e não mero observador do que está
em exposição.
De certa forma, a arte produzida hoje, expõe feridas da
cultura e do sistema da arte. E o imaginário museal tem uma importância na
formação do olhar capaz de pensar sobre a arte, do olhar que deixou de
contemplar passivamente para experimentar e vivenciar. A arte de hoje não nos
diz nada como a arte do passado, ela convida o espectador para refletir sobre o
que é uma obra de arte e suas relações com o sistema institucional. Nesse caso,
o museu é o lugar privilegiado para o exercício do pensamento, até porque, as
obras efêmeras são transferidas ou resgatadas para dentro do discurso e da
instituição museológica pelos documentos, registros e reproduções.
Os museus, em particular os
de arte, ultrapassaram a simples função de guardar e preservar bens culturais e
assumiram várias tarefas e outras funções como o ensino livre da arte, foram
equipados com bibliotecas, auditórios para debates, conferências, cinemateca.
Umas das principais vanguardas brasileiras na arte o “Neoconcretismo” surgiu
praticamente no curso do prof. Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro. A prática museológica tende a se ampliar e integrar o desenvolvimento urbano,
seu objeto de estudo diz respeito também à paisagem urbana, ruas, praças,
quarteirões. “Museu é o mundo; é a experiência cotidiana…”, (Hélio Oiticica).
As cidades, principalmente as cidades históricas são espaços museográficos.
Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto)
revista AS pARTEs , n º 6 - Porto Alegre